English

Português

Thursday, June 16, 2011

Mehandi: arte, tradição e serviço

Por Rosana Araújo*



    Quando visitei Vrndavan (Índia) em fevereiro de 2005, a única intenção que eu tinha era adorar a Krishna naquele lugar sagrado. Como artista, eu ficava pensando em como usar minhas habilidades no serviço a Krishna. Foi por acaso que, caminhando por aquelas ruas empoeiradas em direção ao Loi Bazar, visualizei uma placa que oferecia uma série de serviços. Parecia mesmo que a pessoa sabia se virar! Um destes serviços eram as aulas da arte do mehandi. 

   Para quem não sabe, mehandi, ou mehndi (ou ainda mehendi), é como se chama a arte tradicional de aplicação de henna natural na Índia. Pensei que aprendendo esta arte eu poderia adicionar elementos da arte indiana ao meu trabalho artístico, mas também enxerguei ali uma grande oportunidade de ser útil nos festivais que os devotos organizam. Eu sempre quis estar em todas, e este serviço seria um belo pretexto!

   O meu curso lá durou apenas um mês, mas eu pratiquei todos os dias, dia e noite. Eu fiquei completamente fissurada por esta arte, e graças a minha querida professora, residente do dhama sagrado, eu conseguia entender os simbolismos presentes nos desenhos do mehandi sob a luz dos passatempos de Radha e Krishna.

    Dalí pra frente eu ainda tive que pesquisar, estudar e praticar bastante a fim de poder atender as demandas de minha própria fissura! Descobri em minhas pesquisas que não só os símbolos estavam direta ou indiretamente conectados com os passatempos de Radha e Krishna, como também que a própria tradição de aplicação do mehandi sempre foi executada no humor de prestação de serviço e de doação de amor e carinho.


     É dito que o uso da henna teve início entre as moças do interior do Rajastão e Gujarat. Na lavoura, elas sujavam acidentalmente suas mãos com a planta que dá origem à pasta, e notavam que enquanto suas mãos permaneciam manchadas, a temperatura do corpo baixava. Descoberta então a propriedade refrescante da henna, ela começou a ser muito útil durante os dias extremamente quentes do verão indiano. Não demorou muito para elas começarem a criar desenhos e enfeitarem umas as outras com a pasta vermelha (cor esta que sempre foi símbolo de Shakti, ou seja, energia e boa sorte).


      Todos conhecem a tradição de aplicação de henna nas mãos e pés das noivas indianas. Pois é, esta é a origem da despedida de solteira e chá-de-panela! O dia da aplicação da henna de casamento é um dia muito especial, e faz parte de um dos dias da semana de festa do casamento hindu. Atualmente isto tudo virou um símbolo de status social, mas tradicionalmente este dia possui uma série de significados profundos na vida da mulher:


- A henna é um dos primeiros presentes que o noivo oferece à noiva.

- É um dia em que ela se despede de sua vida de solteira com suas amigas e parentes.

- É uma ocasião onde ela ouve conselhos sobre a vida de casada e sobre como agradar o seu futuro esposo (por isso acredita-se que quanto maior a henna, melhor esposa a noiva será, pois desenhos elaborados demoram tempo para serem concluídos).

- É considerado como um ritual de passagem, uma festa que ameniza a tensão psicológica da mudança de status social.

- É uma oportunidade para as amigas e parentes demonstrarem o seu amor pela noiva, ajudando-a nos rituais de beleza, oferecendo presentes e tornando a aplicação de henna um momento agradável e relaxante para ela, fazendo-a também sentir-se mais bonita e confiante. Muitas vezes são elas mesmas que aplicam a henna na noiva.


By Gopal Swami Khetanchi


     Após a aplicação de elaborados desenhos nas mãos e nos pés, a noiva mais uma vez é “obrigada” a relaxar, pois é necessário certo tempo para que a henna seque e sua tintura natural penetre pelas camadas da pele, fixando-se nas células. E aí novamente as amigas entram em ação para ajudá-la no que for necessário. Isto inspira na noiva uma sensação confiança, sabendo que ela é amada e possui amigas em que ela pode contar para o que der e vier.


     Poucas pessoas conhecem, no entanto, os rituais de aplicação de henna na gravidez, no pré e pós-parto. Os princípios são os mesmos da tradição da henna de casamento, sendo que, como na gravidez ela recebe a henna pela segunda vez, esta henna traz memórias da ocasião feliz do seu casamento, fazendo-a lembrar que o filho é fruto desta união sagrada. Dizem também que a aplicação da henna na gravidês na cultura hindu é uma forma de amenizar os sintomas de depressão pós-parto, pois a faz sentir mais bonita, amada e protegida não só pelas pessoas amadas, mas protegida também pelos símbolos de proteção e de boa sorte presentes nos desenhos da henna.


   O mehandi também aparece em outras ocasiões importantes na vida social hindu, principalmente quando se está iniciando uma nova etapa na vida. O mehandi assinala um momento festivo, e também se acredita que trás boa sorte, proteção e purificação (esta última qualidade talvez esteja conectada com suas propriedades anti-sépticas naturais).


    Veremos a seguir o significado de alguns símbolos, e como podemos lembrar-nos de Radha-Krishna contemplando os desenhos feitos com a henna:

Pavão – Símbolo de amor, divindade, realeza, e beleza. O pavão é considerado um animal de características muito auspiciosas, como por exemplo, possuir uma coroa natural em sua cabeça e ser um predador de serpentes, simbolizando sua força para a destruição da inveja e de todo o mal. Krishna usa uma pena de pavão em sua cabeça como ornamento. Isso faz do pavão um animal não só especial, como sagrado. Em Vrindávan, cidade onde Krishna manifestou seus passatempos infantis e juvenis, até hoje os pavões passeiam livremente por seus pátios e bosques. De manhã eles fazem o mesmo papel dos galos no ocidente, acordando os moradores de Vrindávan com seu canto característico. Há uma lenda em Vrindávan que conta como os pavões são fecundados: é dito que ao verem nuvens carregadas de chuva ( a cor da pele de Krishna é comparada à uma nuvem carregada de chuva.), os pavões lembram de Krishna com saudade e começam a cantar e chorar. Os pavões fêmeas são fecundadas ao beberem a água desta chuva que cai.




Papagaios – Símbolo de amor e fidelidade. Os papagaios são animais naturalmente muito fiéis ao seu parceiro(a) que costuma ser somente um por toda a vida. Eles são até mesmo capazes de morrer de tristeza com a morte de seu companheiro (a). Funcionam como os mensageiros do amor nos passatempos de Radha e Krishna. Através deles Seus encontros são marcados sob o comando de Vrinda Devi, a querida amiga e serva do casal divino. Radharani também possui um papagaio de estimação, que mais tarde veio a ser Sukadeva Goswami.
  


Cisnes – Símbolo de beleza, espiritualidade e discernimento. Paramahansa, é um título dado aos grandes espiritualistas que conseguem distinguir o mundo real e eterno, do ilusório e temporário assim como o cisne consegue extrair somente o leite mesmo depois de ele ter sido misturado com a água. Há também diversos deles passeando pelos lagos de Vrndanan! A Deusa Saraswati é transportada por um belo cisne.





Peixe – Símbolo do amor e da conquista, espiritualidade, conhecimento e prosperidade. É o símbolo emblema da bandeira do Cupido, que com suas flechas de flores encanta os enamorados. É um dos símbolos encontrados nos pés de Vishnu, e também uma de Suas formas assumidas para salvar as escrituras védicas na ocasião de um dilúvio, o Senhor matsya avatara.




Lótus – Flor símbolo de espiritualidade, beleza, feminilidade, pureza, e misericórdia. É um dos símbolos de Lakshmi e é um dos itens que Vishnu segura em um de Seus quatro braços, simbolizando sua misericórdia para com Seus devotos. Este símbolo também é um dos desenhos encontrados nas solas de Seus pés. Assim como todos os símbolos encontrados nos pés de Krishna, ele também é encontrado nos pés de todas as Suas expansões como um atestado de autenticidade. Os pés das divindades e pessoas santas são comparados ao lótus, pois nunca entra em contato com o mundo material, assim como o próprio lótus que se eleva sob as águas.





Manga – Símbolo de prosperidade e fertilidade. É considerada a mais elevada das frutas, o néctar dos deuses. As folhas da mangueira também são usadas em diversas cerimônias e na decoração de festas religiosas trazendo sucesso e auspiciosidade. É também um símbolo de feminilidade, usado muitas vezes para decorar Radharani.








Suástica e mandalas em geral – Simbolizam o Sol, o Semi-Deus Surya, que traz prosperidade, riqueza, sucesso, coragem, iniciativa, discernimento, espiritualidade e saúde. Abrem os caminhos. Muito usado também no rangoli.








Shri – É a Deusa da Fortuna, Lakshmi, consorte de Vishnu. Concede riqueza, sabedoria, espiritualidade, fidelidade, beleza, e toda sorte de bênções para àquele que serve ao Seu esposo. Ela aparece no Mehandi em Sua forma escrita em Devanagari, a língua dos Deuses. Shri também é um prefixo que antecede os nomes divinos.
            






    


      Todos estes símbolos dão assunto para muita conversa sobre Krishna durante a aplicação da henna, isto torna este serviço especialmente prazeroso! Estes são só alguns dos símbolos mais utilizados. Convido todos os leitores a compartilharem mais passatempos relacionados aos símbolos acima e acrescentarem informações conforme o conhecimento de cada um.

Muito obrigada!

Hare Krishna!


* Rosana Araújo é artista plástica, bacharel em gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ). Confira abaixo algumas fotos do seu trabalho. Você pode saber mais da sua arte  em http://rosanaraujo.arteblog.com.br/  ou contactá-la através do e-mail: rosananevesrj@hotmail.com






















0 comentários:

Post a Comment